domingo, 16 de agosto de 2015

Pai, papai, paizão, painho...

No início da atividade do sábado, 15 de agosto, parecia que não teríamos "quorum" para a realização da segunda e última parte do trabalho de Lígia, continuando as reflexões acerca do papel da figura paterna em nossa existência. No entanto, a sala foi enchendo e no final constatamos que somente cinco pessoas, dentre as mais assíduas, não marcaram presença, incluindo Marilene, que já teve alta hospitalar e agora se recupera em casa. Eis os participantes do dia, além deste escriba/coordenador: Carminha, Railza, Lígia, as duas Reginas - a Mendes e a Gomes, que retornou de recente viagem a Cuba -, Isabel, Roberto, Fernando, Luiza, Marlene, Marilda, Cristiano, Magali, Nilza, Jaciara, Quito e Waldelice.
Despois de explicar a estrutura e o objetivo de seu trabalho, relembrando a importância da abordagem sobre o papel da figura paterna na vida de cada ser humano, Lígia distribuiu cópias de um texto (leia abaixo) compilado de artigos dos psicólogos Carlos de Almeida Vieira, Joselaine Garcia e Verônica Esteves de Carvalho. Esse texto fundamentou a consigna - "Que frutos renderam de sua convivência com a figura paterna?" - que os integrantes do "Jesus de Nazaré" passaram a considerar, comentando após breve reflexão.
Para Fernando, ao contrário da afirmação inicial do texto, o pai é sempre primeiro, passando ele a relatar a experiência tida no sábado anterior na comemoração do Dia dos Pais na escola de sua neta, Júlia, quando teve a oportunidade de, como disse, voltar a ser criança participando dos folguedos com a menina; naquela ocasião, o companheiro salientou ter feito uma reflexão muito importante, sobre o fato de Júlia contar com alguém que cuida dela; outra coisa que Fernando quis ressaltar é que Deus (e também os Espiritos Superiores) nos vê, neste nosso momento evolutivo, como crianças, de modo que devemos nos sentir seguros dessa proteção do Alto.
Assim como Fernando, Jaciara também fugiu da proposta do trabalho e relatou o que observa com seu neto mais novo, que cresceria sem um referencial masculino não fosse seu companheiro, que preenche, segundo ela, a lacuna da função paterna junto à criança; para ela, não há dúvida de que entre eles dois há mesmo uma ligação espiritual. Já Luiza afirmou ter tido dois pais, o biológico e o marido de sua madrinha, que também lhe ensinou muitas coisas, declarando ser feliz por isso e que tenta passar esses valores para os próprios netos, principalmente no tocante à disponibilidade.
Em seguida, Railza comentou, jocosamente, que o rendimento do esforço paterno "foi a pessoa linda, maravilhosa e humilde que eu sou". Segundo ela, seu pai biológico deu-lhe o exemplo do trabalho, do respeito e da fé, "o que só aproveitei quando adulta", ocasião em que teve maturidade suficiente para compreender o que seu pai fazia e ensinava, em termos de disciplina e responsabilidade com a família, na condição de provedor. Com tudo isso, disse, ela se dispôs a criar os filhos ante a indiferença de seu marido, com a mesma dignidade aprendida com o exemplo paterno, passando esses valores também para seus alunos - "e também para os netos, quando eles chegarem", completou.
"Meu pai era a bondade em pessoa", revelou Marilda, acrescentando que sua família era numerosa: "Éramos oito filhos e mais os agregados". Seu pai, disse ela, era indulgente, não falava mal de ninguém e desculpava sempre a quem o tratasse desairosamente. E como os bons partem cedo, esse pai morreu soterrado por um desabamento num dia de forte chuva em Salvador. Por conta disso, Marilda teve no tio um segundo pai, o qual também lhe ensinou muitas coisas boas, completando a educação dela e dos irmãos, conforme ressaltou. Esse tio, disse, dava-lhe proteção, deixando enciumados os próprios filhos dele, mas era um homem rigoroso, duro mesmo, "embora tivesse muito carinho comigo". Por isso, ela afirma tentar retribuir tudo que recebeu agindo proveitosamente junto aos sobrinhos e aos alunos, porquanto não teve filhos biológicos.
Para Roberto, "do outro lado" é que se percebe o que é bom e o que é mau em cada criatura, passando a contar uma história para justificar sua afirmação e exemplificar seu caso pessoal: "Nós éramos sete irmãos e meu pai viajava muito", de modo que o genitor praticamente não morava com a família. Ainda assim, ele deixou um bom exemplo, o amor pela natureza, posto que na propriedade dele, na qual plantava muitas árvores, ninguém podia matar um animalzinho sequer, informou Roberto, acrescentando que tenta passar esse amoroso respeito pelas coisas de Deus aos próprios filhos.
Quito, por sua vez, disse não ter lembrança forte de seu pai, desencarnado quando nosso companheiro era ainda um garoto de 13 anos de idade. Ele, o pai, era engenheiro, um operário graduado da Petrobrás que se deslocava frequentemente para atender às imposições do trabalho. Por conta da ausência paterna, os 10 irmãos mais velhos de Quito é que assumiram junto a Quito a tarefa de educá-lo e assim nosso companheiro pôde selecionar o melhor de seus irmãos para compor seu caráter. Mas de seu pai, mesmo, ele afirma ter recebido a lição da caridade...
"Meu pai tinha muitas qualidades", salientou Regina Gomes, observando que seu genitor também padecia da enfermidade chamada transtorno obsessivo compulsivo (TOC), mas nem por isso ele deixou de dar exemplos positivos para os filhos: "Era muito amoroso, enquanto minha mãe era uma mulher rígida", informou ela , acrescentando que seu pai também era muito religioso e, católico, rezava o terço todos os dias, embora jamais tenha imposto sua religião aos filhos. Dentre as qualidades paternas, a companheira destacou o fato de seu pai não gostar de fofocas, de falar dos outros na ausência destes.
Ao seu turno, Waldelice narrou a história de seu nascimento e as desventuras protagonizadas pela relação entre seu pai e sua mãe, com a participação de sua avó, história essa que daria um belo romance. A citada avó, descontente com a relação entre sua filha e o namorado dela - por ser ele negro, boêmio e mulherengo -, fez tudo para separá-los, e quando essa moça, mãe de nossa companheira, engravidou e teve a criança, esta quase foi parar na "roda dos enjeitados" que a Igreja mantinha no Convento das Pupileiras. Waldelice, assim, cresceu longe da figura paterna e essa distância, aliada ao que ouvia lhe contarem sobre ele, fez nascer nela uma aversão pelo pai, que em verdade só conheceu por fotografias: "Só o conheci de fato quando minhas duas filhas estavam crescidas e ele quis conhecê-las". Para Waldelice, sua mãe foi quem lhe ensinou as lições de bondade e disciplina que hoje a caracterizam.
"Meu pai tinha só o curso primário, mas gostava de ler e era gerente de uma usina de açúcar em Sergipe", disse Carminha, acrescentando que seu pai trabalhador jamais tirou férias, dava-se bem com todo mundo e uma vez ralhou com a filha por não cumprimentar as pessoas. E quando ela teve de sair de casa para fazer o curso universitário, ele lhe pediu que honrasse o nome e fosse honesta. Por esse legado paterno, nossa companheira revela o gosto pelo trabalho e seu caráter marcado pela honestidade, pontualidade e disciplina. Ela salientou que sei pai jamais lhe bateu: "Bastava um olhar dele e eu entendia - e isso eu passei para meus filhos".
Marlene teve, segundo informou, três exemplos de pai: o biológico, o irmão mais velho e o marido; com o primeiro, um oficial da Marinha Mercante que por isso ela e os irmãos só viam uma vez por mês, aprendeu a lição da disciplina, posto que o pai era exigente e hoje ela agradece por isso, recordando que seu pai era um exímio tocador de vilão e toda noite, quando ele estava em casa, havia seresta na varanda; mas foi o irmão mais velho que efetivamente exerceu o papel de pai junto à companheira, tanto quanto sua mãe. O marido também foi significativo, "mas em relação aos filhos que eles tiveram", ponderou, afirmando que ele, hoje desencarnado, soube manifestar valores como disciplina, lealdade, compromisso e responsabilidade.
Por último, Isabel relatou o drama de sua convivência com o pai, difícil ao ponto de somente no dia em que ele desencarnou ela pôde dirigir-se à mãe e dizer que o perdoara. "O Espiritismo me ajudou a entender tudo que aconteceu entre nós", disse ela, acrescentando que "fui vítima e algoz em algum momento". Acima de tudo, conforme salientou, nossa companheira manifesta a seu pai biológico a gratidão por tê-la gerado, permitindo, com esse gesto, que ela viesse para a encarnação.
No final, Fernando emprestou sua voz para uma entidade espiritual amiga que fez comovedora prece emocionando a todos. Nessa oração, o Espírito fez referência à fala dos integrantes do Grupo, cada um a seu modo reverenciando a figura paterna, e nos convidou a observar o papel do Pai de amor que ampara, abençoa e protege a todos os seus filhos.

A importância da função paterna para o desenvolvimento da criança

O pai é o terceiro elemento do clássico triângulo original da vida de qualquer pessoa, aquele que vem após a fusão entre mãe e filho, ou filha. Mãe e filho compõem o primeiro par, a reunião de duas pessoas que, juntas, se confundem uma na outra e, se deixassem, gostariam de permanecer sempre assim. A mãe realiza as expectativas do bebê e o bebê se completa nela. Nascemos em condições de precária sobrevivência, daí necessitarmos do outro para existir. É uma dependência natural, que faz parte do nosso crescimento.
Acontece que, desde a Antiguidade, a figura do Pai é a evidência de alguém que pede a volta de seu lugar junto à mãe com a função primordial de separar e romper a fusão entre mãe-bebê existente inicialmente. Fazendo essa separação, a mãe pode assumir outros papéis (esposa, filha, profissional, amiga, dentre outros), tão importantes para sua identidade de mulher; e a criança, podendo ser cuidada por terceiros, vai ampliando seus horizontes diante do mundo. Ao intervir, o pai coloca limite e permite a inserção social da criança.
Do ponto de vista psicológico, função paterna são todas as contribuições e intervenções que completam a função materna (suporte físico e emocional proporcionada às crianças), independentemente de quem a cumpra. Quando se fala em função paterna, não estamos nos referindo necessariamente ao pai biológico, mas sim Àquele que de certa forma assume essa função na vida da criança, podendo ser o avô, o tio ou até mesmo a mãe.

Referências:

- Carlos de Almeida Vieira, médico, psicanalista e membro da International Psychoanalitical Association, de Londres;
- Joselaine Garcia - entrevistada pelo jornal Diário Serrano na edição de 04/08/2013;
- Verônica Esteves de Carvalho, psicóloga.

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